Vendo as palavras
Você compraria “vendo isso”? Veja bem, nem sempre o que nós enxergamos é o que está sendo mostrado. Sinapticamente acontecem um número inimaginável de interações de nossas células, os dentritos movimentando-se sutilmente, ramificações musculares fazendo transfusões que protegem as células para não se separarem enquanto o coração bate; os fluídos competindo com as descargas bioelétricas, uma ebulição interior para ver quem ganha mais, ph negativo ou positivo, e a gente come de tudo sem ajudar esse organismo mágico que somos. Na maioria das vezes, nem sentimos, ou percebemos algo. Você está “vendo as palavras”? É? Mas e se eu estiver “vendendo”, você compraria?
O empresário especialista em tecnologia da comunicação, Caio Tulio Costa, foi pesquisar durante três meses numa universidade dos EUA e produziu um trabalho disponível para download na ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing; suas palavras na introdução do trabalho: “fruto de temporada em 2013 na Columbia University Graduate School of Journalism, em Nova York, na condição de Visiting Research Fellow, graças a uma bolsa de estudos de pós-doutorado financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – apresenta uma estratégia possível para as empresas jornalísticas formatarem um modelo de negócio rentável na era digital.”
A Escola de Propaganda & Marketing “ensinando” jornalismo. Está vendo o que eu vejo, o que eu e a ESPM estamos vendendo?
Aparentemente o tal trabalho parece iluminar cenários reais e caminhos para um futuro próximo; era 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil, fomos contemplados com uma rubrica em nossa Declaração de Imposto de Renda para despesas relacionadas com a FIFA (isenção), o que me motivou a publicar Futebol 10 x 0 no Estado de Direito e isto é outra história? Mas o Caio Tulio Costa faz o leitor desatento entrar num tunel rarefeito, por onde a indústria da informação infecta a indústria do entretenimento, que por sua vez contamina toda a cadeia produtiva e matriz de logística do mundo; a propósito, nesse meio o tal de “endomarketing”, onde os substratos da mais valia podem ser demitidos em massa, a qualquer momento, ou em doses esporádicas, de acordo com o "interesse/objetivo" da empresa, incluídos os "colaboradores" home office, híbridos e presenciais.
Então aquele meu livrinho do Futebol tem a ver aqui, se o negócio do “jornalismo” for vender informação, notícia, isenta e imparcial, prestar “serviço à sociedade” conforme já ouvimos e lemos em tempos remotos, românticos. Diametralmente oposto à “publicidade”, e eu digo isso porque já deixei pegadas nesse chão, como Diretor de Contas Internacionai de Publicidade, premiado e tudo, pela ESPM. Vamos “ver”:
Começa ele, o Caio, de modo didático para o ensino fundamental, pela “Cadeia de Valor na Indústria do Jornalismo” entretanto reduzindo e escondendo em (permita uma metáfora) 9 doses duplas de bourbon escorregadio os verdadeiros 18 buracos, talvez para conseguir um Albatroz (equivalente ao gol de placa) visto apenas pelos seus golfitas do Club, tão imperceptível aos “caddies” (carregadores) quanto ao prezado leitor, pelo irritante hermetismo que escolhi aqui. Em miúdos: o golf teria 18 buracos, ou nove, iguais às doses de uma garrafa de whisky durante uma partida, diz a lenda. Assim, do buraco número 1, em duas tacadas ele vai gradualmente cobrindo o “green”, buraco por buraco; o “problema geracional”, os “nativos analógicos”, os “nativos digitais”, os bissexuais (a discriminação é minha) “analógicos-digitais” para então dar o “chip” com a “disputa entre gerações” e o “putting” no “componente disruptivo”. E nós, “caddies” ou meros espectadores, batendo palmas.
O Caio Tulio Costa seguiu as antigas sabatinas do ginásio das décadas do século passado, ou a cartilha das propagandas e do ambiente corporativo cínico. Veja, por exemplo, o publicitário vivo mais famoso no mundo, Washington Olivetto, com quem aliás tive a oportunidade de trocar figurinhas; uma vez foi no aeroporto Santos Dumont, aguardando um vôo ao lado a Cristiane Torloni, eu ia para São Paulo ser entrevistado por nada mais nada menos que o Duailibi, o D da DPZ, e o W/Brasil, na época somente Olivetto, estava no banco à frente, pulei para seu lado e bati um papinho, “sinto muito Cristiane”. A segunda vez foi quando combinei (naquele aeroporto) um encontro com ele na TV Cultura do Rio, a única oportunidade que ele me daria para um “pitch”, ainda não se usava esse termo em Pindorama. Engraçado, na hora de sair eu troquei a gravata muito séria que eu escolhera por uma fita vermelha, de cabelo, bem “cheguei” da minha mulher, dei um nó de gravata e acho que fiquei meio espalhafatoso, como era a deontologia publicitária… Não sei se ainda é.
Furou o pneu, como ia dizendo, o W/Brasil em seu website começa um podcast contando o início de tudo, com um pneu furado. Conhecida essa história, e é boa mesmo. Aconteceu bem na frente da HGP Publicidade, então pequena agência. Sem o traquejo para trocar pneu, pensou pedir um estágio. Não sabendo nada de agência, pediu na recepção para falar com o dono. Por acaso, o dono estava passando e ele largou a pérola: "Meu pneu furou aqui na frente e eu queria uma oportunidade. Vou ser muito bom nesse negócio e é melhor aproveitar, porque meu pneu não fura duas vezes na mesma rua". Ganhou o emprego. Pois, no website do publicitário mais premiando em Cannes, no mundo, em um minuto ele repete três vezes que “estava ali por causa de um pneu furado”, disfarça que está testando o podcast e ao final vem o pack shot da Bradesco Seguros. - Tá vendo, o que estava vendendo?
Isto é, o W vende com sutileza até dar a cravada mortal da sedução. Que é o máximo que uma propaganda consegue. Enquanto o Caio permanece na subjacência, corrompendo gradualmente os estudantes, e "colaboradores" trepando as escadas de suas carreiras.
Seu trabalho não é digno de um "pós-doutorado". O Caio se fode ao decretar, no início, que “os nativos analógicos são todos aqueles que eram adultos nos anos 90 do século passado. Sua formação é absolutamente livresca. (…) não dominam o universo digital”. Então eu sou o quê, Tulio Costa? Adulto nos 90 eu já havia aprendido linguagens (no plural) de programação em listagens colhidas no lixo da Siderúrgica Riograndense e da UFRGS, entre outras fontes, sozinho, autoditada. Sou peça rara, um bicho exótico? Li Utopia e Paixão, o Processo e outros aos 15 anos. Então aprender em livros é ultrapassado? Conheço muitos exóticos, com alguns fundamos a Associação dos Profissionais de Processamento de Dados, em Porto Alegre e depois na Lapa, RJ, hoje com outro nome. – No Marketing, bem no início dos 90, criei a campanha medalha de ouro da ESPM “O Dia Todo Mundo Lê”, e na mesma edição do número 2000 da Manchete, também "minha conta", sai com dois anúncios homenagem de dois "clientes"; para o Dia o slogan "só chega ao número 2000 quem corre todo O Dia atrás da notícia" e para a White Martins "Aconteceu Virou Manchete", e o escambau.
Tá fodido o Caio, pois ele vai mais longe ainda, ao afirmar que “os nativos digitais dominam de maneira intuitiva a internet e os aparelhos que a manipulam”. Ele visivelmente mistura, irresponsavelmente, internet com a WWW e dispositivos “que a manipulam”. Num doutorado, Caio? Caiosinho dá derrapadas desastradas em lugares tais como "eles (os nativos digitais) estão sempre atualizados em relação ao que acontece no mundo digital.". – Não só não estão como são de fato os mais manipulados, feitos zumbis idiotas, a clicarem em tudo para engordarem (via algoritmos) as colunas das spreadsheets de analistas financeiros das empresas de telecomunicação e as mais robustas plataformas digitais (Google, Facebook, Microsoft, etc), com aportes generosos para os chamados “market places” tipo Amazon, SHEIN, TikTok entre outros… Em outras palavras, são peixinhos digitais os nativos digitais. Mais triste é saber que caminham “dez pras duas”, isto é, com os dois pés abertos feito aquele horário no relógio analógico, invariavelmente têm a geladeira abastecida pelos pais (babyboomers e subsequentes), a luz paga, quando não a internet tambm, e não sabem entrar no mato sozinhos. Ui!
O que compramos lendo notícias
Como não se trata esta crônica de uma pseudo-aula de jornalismo ou propaganda, quem sou eu, não vou comentar o quão pecaminosos são os “leads” das matérias publicadas por aí, quantos vícios e redundantes parágrafos desperdiçados online, eu gostaria até de “entrar de carrinho” em cada um que se apóia no irritante “isto porque”. Em cada três textos, dois contêm esta merda. – É, se alguém ironizar a importância da filosofia, os filósofos recomendam agressividade. Veja só: na virada dos 80 para os 90 surgiu o “com certeza”, que me irritava, ouvia-se cinco pessoas usando, das cinco com quem você conversava; atualmente entre outras expressões “há” uma, perdendo força mas ainda se ouve, é o “pense”. Dói, dói na alma.
Vimos uma profusão de textos, falados e escritos, sobre tal PEC, tal reforma disso oe daquilo, o decreto que tramita...
Um ventilador de temas que nos interessam soltos na nossa cara e sem a dissecação apropriada, pela imprensa – óh, usei este sintagma uma vez nobre para me referir ao jornalismo – todos os dias: da questão do aborto à tributária, da urgência ambiental ao incompreensível assunto, para a maioria, o uso de algorítmos computacionais, inteligência de máquina (1956), hoje Inteligência Artificial (leia no próximo PsiText, Psicanálise da Notícia a disputa entre a IA e a IH)… Como deglutir tudo isso se temos que pesquisar para "ver", enquanto os jornais só despertam a curiosidade? Embora tenham colunas com o título arrogante "Saiba Como". Não “vendo palavras” no topo das páginas de websites de jornais, nem nas redes sociais, setoriais e muito menos de entretenimento (leia-se: para pegar peixinhos), os acordos comerciais que envolvem logística, matriz produtiva. – Por exemplo, sabemos quantas empresas chinesas nos vendem como produto interno o que elas fabricam offshore, draw back, nos navios em águas continentais, e até mesmo lá na China? Sabemos o volume de dinheiro desaguado em portos litorâneos em fase de implementação (com ligações a programas de esferas escondidas da ONU), áreas enormes cedidas para projetos pseudo-ecológicos que nunca saem do papel, nas reuniões de “stakeholders”?
Mas para ter acesso a esses Frankensteins, você tem que comer o pão que o diabo amassou pesquisando nos sites do governo, dos três poderes, conforme reza que existam a nossa Constituição Federativa, a segunda maior do mundo, 250 artigos com centenas de emendas desde a sua promulgação (1988) e, pasmemos, com Cláusulas Pétreas (art. 60, § 4º ), imexíveis; em breve talvez “não fundíveis”. Diga-se de passagem, mesmo que tenha sido cunhada (irmã da fase pós governos militares) de Sarney, digo, constituição cidadã, é um balaio de gato. Tem cláusula que não pode mexer, mas tem tanto juridiquês e incongruências de jurisprudência que escritório algum de advocacia pode garantir defesa do suposto infrator ou delator. E pior, a sociedade não "comunga" na Constituição, o Estado não garante a sua "liturgia", o indivíduo comum não tem ferramentas cognitivas para compreendê-la, exercê-la, a começar pelo Estado de Direito, uma benção nela intrínseca, e como golpe de misericórdia, o conceito de Responsabilidade Solidária é algo que se desmancha no ar.
Acabei de perder o comprador, compliquei, eu mesmo não sei como me desenredar isso. Então gostaria de mudar tudo, é, tudo no Distrito Federal ali naqueles prédios principais do Eixo Monumental, da Presidência e Ministérios, do Congresso e Senado. Mudar todos, tudo novo. Uma forma de obter isso seria a população inteira de cidadãos com Título de Eleitor se recusar a votar, na próxima eleição, não votar. Listaria uma espécie de 10 mandamentos para novos Candidatos, mil palavras exatas, como este texto, pode contar, para serem seguidas, eu me candidataria nessa Arca de Noé. Você compraria essas palavras? Compre um de meus livros, colabore com este espaço de crítica construtiva, estimule o debate, o questionamento, compartilhe para exponenciar o esforço comum. Obrigado!
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