top of page

Livro em tom humano? Meu Deus!

Esta manhã fui exposto a duas mensagens antagônicas numa plataforma digital. Uma credita a seguinte frase a Umberto Eco, o autor de O Nome da Rosa: “os livros não são para serem acreditados, mas para que os questionemos”. A outra mensagem é de um Dez Pras Duas* (não deixe de checar o “*” mais abaixo), diz:  


“Desenvolvi uma I.A que escreve livros para você, e já escreveu para mais de 30 mil autores que só tinham uma ideia e hoje já estão vendendo nas plataformas digitais e até em livrarias. (…) Tenha seu livro em menos de uma hora por 49 reais”.


Li “O Nome da Rosa” quando meus cunhados Ivan & Mariinha me emprestaram sua casa de praia em Araruama para um fim de semana. Li as mais de 500 páginas em dois dias, entre uma capinada e outra como exercício físico, assando um churrasco, um peixe na brasa e tal, porque ninguém é de ferro. Eu havia publicado a História do Papel, um livro brinde, quando fui o Marketing da Cia de Papel Pirahy, e o significado histórico do “Codex” costurado ao hábito e formas de leituras (a leitura de pergaminhos na idade média era feita caminhando, com as mãos às costas, enquanto dois monges desenrolavam o pergaminho, isto antes do Codex, entre outras definições, o livro como o conhecemos, em páginas, costuradas, coladas, com capa e orelha, etc) funcionaram como uma centrifugadora mental para mim, posto que a Rosa, para os monges da idade média, momento linear daquele título do Eco, era uma espécie de código morse ou “link back-end” que somente os monges mais altamente graduados tinham acesso para a sua compreensão integral. Em suma, a rosa era quase um mistério, e o resumo da ópera ficou sendo que “ela se referia ao infinito poder das palavras”. Resumindo mais ainda: a rosa era nada mais nada menos que a biblioteca eclesiástica, ou, aprofundando à exaustão, a rosa era uma espécie de sacrário verbal (ou talvez verborrágio). Isto é, monge iniciante não tinha acesso, portanto não sabia aonde o galo cantou, ou se era galo o que ele ouvia antes de acordar para a primeira Vigília, ao acordar de madrugada, ou a Completa, antes de despir-se do hábito para tirar uma soneca.

Eu tive o privilégio de dormir algumas noites no Mosteiro de São Bento, em Brasília (entre o monastério e o bordel)  e presenciei a coisa. Lembro até de um monge que ficava gritando no quarto ao lado, se chibatando porque (me contaram) tinha pensamentos pecaminosos. Ui!


O enredo de O Nome da Rosa, a la Sherlock Holmes à parte, me seduziu. Engoli o livro e mais tarde o reli aos nacos vez e outra.


Bem, então o Dez Pras Duas vem e vende para outros Dez Pras Duas, por apenas R$49,00, a capacidade de escrever um livro em duas horas, um livro de 100 páginas, simplesmente com a idéia de qualquer coisa que possa alguém intuir que poderá ser um livro. “*”  Dez Pras Duas eu já escrevi em outras páginas é o indivíduo, “user”, que habita um universo mental online permanentemente, pensa que entende o que é “programação de computador”, pensa que o fractal a sua frente tem aquele formato que seus olhos refletem, e sai por aí tatuado cheio de piercing, com as canelinha abertas como os ponteiros do relógio analógico marcando este horário, faltando dez minutos para a duas horas; tente caminhar deste jeito e entederá o que é um Dez Pras Duas.


Não confunda com o Neymar, que embora seja jogador de futebol e deveria caminhar com os pezinhos mais apontando para frente, com os Dez Pra Duas a que me refiro, o Neymar é outra coisa.


E o sujeito paga para promover a sua mensagem publicitária, de ser capaz de criar um livro “…palavra por palavra, com 12 capítulos, aproximadamente de 100 páginas A4, escrito em tom humano impossíveis de serem identificados que foram escritos por inteligência artificial.” Pior, imagino que ele consiga clientes!


Não é para todos nós gritarmos: puta merda!



 

Comentarios

Obtuvo 0 de 5 estrellas.
Aún no hay calificaciones

Agrega una calificación

©1997/2025 by Luis Peazê       Contatos

oPONTO NEWS & LIVROS 

Luís Peazê: Escritor, Jornalista, Tradutor

www.luispeaze.com 

bottom of page