Em 2017 ocorreu em New York o primeiro capítulo, agora em 2022 Lisboa foi a anfitriã para mais de 20 representantes oficiais de Governos, incluindo os próprios presidentes de alguns países membros, e mais de 7000 pessoas que atenderam presencialmente ao evento de sete dias; líderes empresariais, cientistas e representantes da sociedade civil. A chamada do Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, Sr. António Guterres, era alarmante e, ele não acidentalmente continuou o alarme durante e após esta Conferência sui generis, realizada em parceria entre os governos de Portugal e o Kenya. Mas pelo menos um mérito ficou evidente, foi tão efervescente em alguns aspectos que o Presidente da França, um dos visitantes, já avançou à frente de todos e declarou-se candidato para a realização da próxima Conferência, seja lá para quando ela for planejada. E será mesmo necessário, uma terceira rodada, no mínimo. Vejamos:
PODCAST - CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS OCEANOS, 2022
A trilha sonora deste podcast é "Fanfare de M V Delft", execução da Banda da Marinha de Portugal regida pelo Maestro Capitão Tenente José Veloso, na cerimônia de descerramento das bandeiras de Portugal e da Organização das Nações Unidas.
A primeira palavra utilizada pelo Sr. António Guterres em sua interferência oficial ao abordar diretamente a problemática dos oceanos foi “tristemente”; em seguida, antes de qualquer, de qualquer sintagma de positividade, enunciou uma confissão generalizada, de todos no planeta, “não demos importância aos oceanos”, para repetir o aviso alarmante dado em várias outras ocasiões que antecederam a Conferência dos Oceanos, mesmo aquela em New York, em 2017: “enfrentamos uma emergência oceânica”.
Um somatório verbo-nominal dos últimos cinco anos sobre o clima da Terra, a qualidade do Ambiente Total, o impacto na cadeia alimentar e produtiva dada a contínua utilização de combustíveis fósseis e a excessiva liberação de carbono na atmosfera, de tal modo que mesmo os oceanos assumindo a função de absorver algum excesso, vem sofrendo a acidificação e tudo isso nos oferece em troca uma escalada de impactos nocivos à vida no planeta.
Era essa a atmosfera dos discursos antes, durante e mesmo após a Conferência das Nações Unidas para os Oceanos.
Ora, se todos concordam, se há sinergia no sentido de urgência e ação, por que não nos sentimos salvos da catástrofe anunciada, da escalada da degradação dos oceanos e todos os impactos?
O Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, inclusive cravou que os “oceanos são centrais no equilíbrio de poder geopolítico”. Poder? Estamos tratando de sobrevivência dos seres vivos no planeta, ou de quem pode mais? Ingenuidade à parte, assim como a semântica, seu discurso foi mais longe felizmente ao lembrar que: “Assistência médica, recursos econômicos, energia, mobilidade, migração, desenvolvimento científico e tecnológico, mudança climática, tudo isso presente tanto no contexto pandêmico e da guerra… Devemos recuperar muito tempo perdido e darmos uma chance à esperança, antes que seja muito tarde”.
O presidente da República do Kenya, Uhuru Kenyatta, na abertura oficial da Conferência, no dia 27, diante do mundo lembrou a proclamação das Nações Unidas da Década da Ciência dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável, que tal proclamação suporta os esforços para reverter o ciclo de declínio da saúde dos oceanos e a reunião dos “stakeholders” mundiais em busca de uma estrutura comum para assegurar que a ciência dos oceanos possa dar suporte integral na criação de melhorias de condições de sustentabilidade dos Oceanos”.
Fica a pergunta em aberto: por que um país com quase a metade da população vivendo na faixa de pobreza e para baixo com menos de dois dólares por dia (dados da própria ONU), isto é, com IDH baixissimo, por que em tais condições um discurso longe da urgência que tais condições impõem? A África como um todo merece mais atenção, é tão importante quanto os oceanos, se a reflexão sobre os oceanos incluir a geodesia, a importância das áreas desérticas e não antes de tudo a riqueza antropológica do continente africano.
Há, na verdade, 17 perguntas em aberto cujas respostas estariam em curso: a de número 14 trata deste assunto aqui, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 que é sobre a "Vida abaixo de água". Um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas em 2015.
E as perguntas ainda não param aqui, pois há uma cabeluda e que povoou todos os diálogos, todos os discursos como um monstro abominável durante a UNOC 2022: o lixo plástico, um problema complexo que nos leva a refletir inspirados em Francis Bacon: depois de termos inventado o uso dos polímeros plásticos, não podemos mais desinventá-los, assim como a sua utilização em larga escala é uma das maiores dificuldades de nossos tempos; transformou-se num dos piores descartes inapropriados; uma vez descartados chegam ao mar, por vias pluviais, fluviais, descartados criminosamente e por aí afora... Investigações científicas abundam pelo mundo mostrando que ingerimos plásticos que se internalizam nos tecidos do animais marinhos e aves, e isso não é tudo.
Ao final do último dia do evento, contabilizada a participação de 150 países dos 193 Estados-Membros da ONU, foi aceita com unanimidade a Declaração de Lisboa que, se não for seguida a risca um mínimo de 80% significará não atingirmos os sonhos do Acordo de Paris – todos os Estados-Membros da UE se comprometeram em tornarem-se a primeira economia e sociedade com impacto neutro no clima até 2050. Ao final de 2020, o compromisso de reduzir as emissões da UE em, pelo menos, 55 % até 2030.
Ciência, inovação e investimento foram palavras igualmente utilizadas à exaustão, com uma sintaxe estimulante porque exatamente “investimento” invariavelmente apareceu associado à “disponibilidade”, isto é, não será por falta de dinheiro que o mundo irá acabar sem oxigênio, sem comida, e de calor. Se o pior acontecer será pela falta de empenho e muito provavelmente carência de literacia.
Um exemplo entre os mais de 700 acordos e intenções de acordo realizados durante a Conferência das Nações Unidas para os Oceanos: o “Protecting Our Planet Challenge” investirá US$ 1 bilhão de apoio à criação e gestão de áreas marinhas protegidas e costeiras indígenas, até 2030; o Banco Europeu de Investimento prometeu injetar € 150 milhões em toda a região do Caribe como parte da Clean Oceans Initiative para melhorar a resiliência climática, a gestão da água e a gestão de resíduos sólidos; o Banco de Desenvolvimento da América Latina comprometeu-se com US$ 1,2 bilhão para projetos relativos ao oceano na região.
Tal e qual numa mesa de bar, a conta vem por último e, para aqueles que não pagaram a cobrança é certa. Temos até 2030 para cobrar essa conta. Oito anos passam rápido.
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