“Teve grande avaria quem decidiu que os registos vão para ao pé de peixaria”
O IRN abre para atendimento ao público, imigrantes e portugueses natos, pontualmente as 09h00. Nesta segunda-feira 1 de Abril, sem trocadilho, não era mentira que, antes de começarem o expediente, aproximadamente 60 funcionários da agência Av. Fontes Pereira de Melo 7, uns empunhando bandeiras e assoprando apitos, outros abrindo banners, ecoavam os gritos de protesto do presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado - STRN, Arménio Maximino:
“Seria muito mau se os registos fossem para ao pé do Cara Pau”
Ao apurarmos a lista de reivindicações daqueles trabalhadores, os encontramos pontualmente as 09h00 já lá atrás de suas mesas a atender os utentes sedentos por soluções para suas vidas, a maioria talvez realizando o sonho de sobreviver, apenas.
Fomos para a fila, como um utente ordinário, e a vimos crescer desde duas horas antes do início do atendimento, e, até a hora em que atingimos o “toten” eletrônico de senha já contabilizávamos mais de 200 pessoas enfileiradas na bicha a contornar a esquina, a cem metros de distância da entrada.
Um contingente de uma dúzia de policiais mantinha a ordem da manifestação garantindo que ninguém ultrapassasse os limites da calçada e do prédio da frente do IRN, mais esta dificuldade talvez, a de ir e vir e protestar pelo que se pensa ser de direito, ou necessidade, se o leitor preferir.
A manifestação ordeira, sonora, criativa, vibrante e comovente, contudo, já parecia ser passado, no primeiro minuto de expediente, quando em cada estação de atendimento via-se em franco trabalho de parto o preencher formulários digitando ao vivo à frente de cada cidadão, estrangeiro, imigrante, empresário, casais conjungando oficialmente o matrimônio, uma dezena de serviços cruciais para dar vida legal ao contribuinte português, todo esse trabalho, conforme apuramos, testemunhamos, realizado com simpatia, isso mesmo, simpatia, e empenho em responder a perguntas muitas vezes ingênuas ou até mesmo estúpidas, de quem não se deu o trabalho de pesquisar online. E aqui chegamos a um dos mais absurdos problemas enfrentados por esses trabalhadores de plantão: a intranet é precária tanto quanto os próprios computadores, muitos amarrados com elástico, com discos rígidos pendentes atrás do terminal, quase sucatas conforme colhemos depoimentos de vários funcionários, e do próprio Presidente do Sindicato, Arménio Maximino e do Tesoureiro, Maurício Rodrigues, da Coordenadora do Balcão Sonia Henriques e da Coordenadora das Transcrições de Casamento Jaqueline Vera Cruz. E, se em algum passado remoto, digamos 20 anos, temia-se que a automatização fosse roubar postos de trabalho humano, no IRN esta previsão não passou de ficção, na realidade ela hoje representa um problema desumano, um inventário trágico de equipamentos defasados. Desumano porque além de estarem defasados, não são contratados mais funcionários desde o século passado.
Não é difícil montar a equação do aumento de trabalho, dado o aumento de tráfego de portugueses e não portugueses neste setor de serviço público, mais (valor negativo) a diminuição da força de trabalho humano (reformados e ausentes pela própria vida) mais a precariedade (valor negativo) do equipamento de automatização instalado em plena propaganda do SIMPLEX, uma equação que nem tende a zero, como se aprendia inocuamente nos bancos do antigo ginásio, tende mesmo ao negativo.
Fossem somente esses problemas acima, talvez seria o caso de apenas abrir a licitação para alguma iniciativa privada lucrar com a venda massiva de monumental estoque de computadores de última geração, mas isso não bastaria, conforme apuramos também. A carga horária desses trabalhadores é simplesmente antihumana, na teoria seis horas contínuas sem intervalo para refeição; na prática, mais de seis horas com apenas meia hora para um pequeno almoço. Mas como não há contratação e o encolhimento do contingente em postos de trabalho é inevitável; com o tempo, um funcionário tem que desdobrar-se em dois, atendendo por exemplo na área civil e na área comercial, simultaneamente, num ritmo frenético e estressante. Lembremos, os contribuintes estão ali sedentos por soluções, ansiosos exercendo seus direitos com olhares agudos e eventualmente vozes alteradas, gestos e atitudes impiedosas, não raramente com dificuldade para falar português até, e isso não é pouco.
Essa questão da Av. Fontes Pereira de Melo 7 não é um caso isolado. Assim como não se trata de uma disputa entre repartições quando uma reinvidicação do manisfesto do Sindicato é não mudar a morada para a “Peixaria”, para dar lugar à Autoridade Tributária e Aduaneira. Poderia ser para alguma repartição da Saúde. As repartições parecem, antes de tudo, estar em sintonia pois enfermeiras(os) lutam por salários acima de 800 euros e carga horária mais humana nestes ambientes estressantes, que cuidam da vida de toda a gente. Por falar em vida, não por acaso vimos na maioria mulheres atendendo com espantosa complacência maternal atrás de mesas tanto da Aduaneira, quanto de Postos de Saúde e no IRN. «««leia aqui»»»
Não é tudo, além de reivindicarem para si melhores condições de trabalho, tecnicamente falando, o Sindicato dos Trabalhadores levanta a bandeira também para um viés que o Ministério da Justiça deve estar atento: a falta de privacidade para certas naturezas de atendimento, como o caso das questões de partilha, separação, situações legais de foro individual ou comercial, ou de constrangimentos ainda neste século XXI em que os mais de cem gêneros ainda não foram totalmente aceitos pela sociedade, e o que dizer de pendengas trágicas como por exemplo os casos de violência doméstica. Tudo se ouve de todos.
O IRN está para ter fatiado o seu contingente e cardápio de serviço, os seus vários departamentos em espaços fisicos remotos uns dos outros, inclusive imóveis inadequados para o tráfego de grande público, contribuintes. Estarão em 3 lugares distintos na cidade ( Campus da Justiça na Expo, Loja do Cidadão no Mercado 31 de janeiro e Edifício da Avenida Fontes Pereira de Melo ) os serviços de registo que atualmente estão concentrados em um único sítio.
Não por acaso a origem da expressão Corrida Cara Pau talvez venha explicar esta situação. Num passado remoto, era alardeado o preço mais baixo pelo melhor peixe na feira, contudo de modo invertido, provocando a corrida às compras enquanto gradualmente os feirantes iam substituindo, na velocidade do nado do serelepe Cara Pau, o preço mais alto pelo peixe mais caro. E isso era uma brincaderia sem graça, desumana também, cunhando uma expressão que com o tempo ninguém mais lembra nem porque nem para quê.