Não se vê muito azul marinho em Lisboa, a polícia é presente mas não está em todo lugar que se anda, como no Brasil, por exemplo, ou Paris e New York.
Verde oliva menos ainda. Se vê o vermelho, mas não é o do Partido Comunista, porém ativo e ameno, um comunismo tímido, mais ismo do que comum, mais social do que cubano ou russo, se vê o vermelho dos Bombeiros, estes sim, andam por toda parte buzinando, apagando queimadas, algumas criminosas para levantar o subsídio à primeira moradia, esquema malicioso, eles resgatam gente também e tive o prazer de acidentalmente cair no meio de uma manifestação deles mesmos, a “dos casacos vermelhos” em pleno dia que eclodiu na França a ira dos coletes amarelos, em novembro, isto é, bem Portugal, quer dizer, só bem mais tarde, hoje, às vésperas do Natal os portugueses ameaçaram repetir aquela ira com um punhado de reivindicações em riste, parar o país a francesa, mas não o fizeram, neste caso a polícia sim foi para as ruas fechar entradas e saídas de pontes, fincar o pé nos lugares anunciados de manifestações que não ocorreram. Assim, as cores de Lisboa são mesmo as dos jacarandás, nem dos cravos, nem da ferradura, aliás como é o discurso do Sr. Marcelo, um político a antiga e com jeito de tio, contraste com a taciturna Merkel, a atabalhoada May, o moderninho cafona Macron, o sarcástico Putin e o abominável Donald, enquanto o mundo pensa equivocadamente que não existe o resto. É o mundo que não existe mais, do jeito que estivemos acostumados a vê-lo até agora. Hoje, você clica e muda o mundo, aparentemente…
Seria mais fácil escrever sobre o perfume de Lisboa, por onde quer que se ande se sente perfume feminino, atrás de balcões e mesas de autarquias, aduaneiras, centros de saúde, bancos, escolas, supermercados, bares, departamentos financeiros, conservatórias, autoridades marítimas, as mulheres fazem as coisas e não é somente em Lisboa não, em Portugal as mulheres é que trabalham, os homens, parece, conversam, vendem, fazem negociatas, pode pensar que é preconceito deste observador, e talvez seja mesmo mas é o que o seu olho pegou, o seu ouvido ouviu, as suas mãos tocou ao mostrar documentos, receber registos, confirmações ou recusas e pedidos de mais documentos. Numa coisa os portugueses de todos os gêneros se parecem, no humor, são tecnicamente mal humorados, até que se tenha com eles um tanto de delicadeza, aí eles se derretem e revelam uma candura sem igual, infantil até, para quem vem de lugares agressivos de fato.
Vi a chefe da aduaneira de Lisboa cobrar-me taxa por taxa, mais de cinco grupos diferentes de tributos de uma bagagem profissional de equipamentos de jornalismo e arte naval, simpática, cortês e implacável, uma paciência devastadora; vi uma equipe num hospital público e num posto de saúde, atendendo ao redor do relógio, diuturna e adentro da madrugada, num ambiente estressante, o auto-falante chamando senhas verdes, amarelas, vermelhas, brancas, o dia inteiro, atormentadas por um sistema de computadores sobrecarregado e antiquado, vi-as atendendo no mesmo ritmo, quase monocórdio se fosse possível traduzir em som os seus gestos com as mãos nos teclados, assisti médicas e enfermeiras costurando e depois retirando pensos, cinco pensos de meu dedo indicador que botou-se em lugar errado, e uma intranet vigorosa que regista o seu número de contribuinte em tudo, onipresente. Cabe aqui um elogio com letras garrafais para o atendimento das senhoras* do posto de atendimento de saúde de Cascais, solicitas, dedicadas e eficientes. E, já que mencionei as senhas, elas coexistem em Portugal das padarias a charcutarias e cabeleireiros, onde se entra, há que se pegar uma senha, mesmo se você chegar sozinho e for o único a ser atendido, Portugal no seu melhor, aceite, até ouvir um “pronto” e aí sim, poderá relaxar.
Mas o melhor de Lisboa continua sendo a complexidade suave dos portugueses, o seu conservadorismo indeciso e persistente, a fome de avançar ao extremo futuro em marcha lenta e a sua magistral gastronomia, café à parte, pelo amor de Deus, quase dois meses em Portugal e não pude saborear um café decente, desculpa patrícios, é a verdade, vocês queimam o café ao torrá-lo demasiadamente, como no Brasil até pouco tempo atrás, mas bebe-se bem, obviamente vinho, e come-se feito um Gavius Apicius, guloseimas, doces, petiscos, salgados, bolos, pastéis, carnes e muitos frutos do mar, os baratinhos e os mais caros, e temperos frescos de todos os tipos e muito chouriço, você come chouriço em Portugal até sem querer. Chouriço, a propósito, é o formato das ruas de Lisboa, nascida de uma citânia da época decadente do império romano na Península Ibérica, das fortificações em oppidum que utilizaram o Tejo para protegerem-se dos visigodos, celtas, suevos e árabes de um lado, e do que viesse pelos outros, em caracóis, deixando a gente local cultivando frutas e hortaliças, fabricando pães e forjando ferro ao redor dos castelos, até o período pombalino da revolução urbanista e, posteriormente, o empoderamento municipal surdo nas páginas da Carta de Atenas, com um grande terremoto e incêndio no meio, deu nisso, um emaranhado que o leva a ir para qualquer lado, se não conhecer as quebradas e ruelas, já, nas auto-estradas, muito bem pavimentadas, diga-se de passagem, que ligam Lisboa ao resto do mundo, a sinalização é sem pé nem cabeça. O motorista segue, por um aplicativo ou não, uma placa para um certo lugar, e, de repente, quando pensa que está chegando, as placas começam a mostrar uma profusão de lugares próximos, desistindo daquele lugar que o motorista estava a procurar. Em fração de segundos ao volante você tem que decidir entre uma IP, ou IC, ou E, ou retornar a A, e o Norte e Sul em Portugal, nas estradas, parece estar numa rosa dos ventos ao cubo, isto é, pode ser para qualquer lado. Esses engenheiros de tráfego portugueses! Talvez seja por isso que os motoristas são relutantes e aparentemente egoístas, com sorte não para com os pedestres com quem respeitam uma liturgia clerical. Uma vantagem à parte, se o condutor não consegue efetuar o pagamento de estacionamento eletrônico numa zona verde, amarela ou de qualquer cor, basta colocar uma nota escrita à mão no painel do carro “parquímetro não funciona”, e ir aos seus afazeres.
Fora isso, as cores de Lisboa são temperadas. Frias e quentes em harmonia no tempo, enganando ao visitante desatento que vê na bandeira de cores campesinas, o verde e o vermelho, um símbolo de simpatia. A discussão sobre as cores da bandeira atual de Portugal, dita republicana, é uma confusão tão errática quanto o desenho urbanístico e esplêndido de Lisboa. Tem apenas um pouco do que me disse o amigo Gonçalo Collaço, sobre os templários, não é tudo. Que cor então, que cor Lisboa deveria se vestir afinal de contas, se ficássemos presos ao passado e a uma simbologia que não faz mais sentido? Assim como a ideia de Estado e partido, aliás, de que vale uma ideologia hoje em dia senão para colorir de engano as mentes mais ingênuas, privilegiando os astutos oportunistas e superficiais?
Para mim, Lisboa tem a textura e brandura de um pêssego em cada estação.
* Autoridade Aduaneira do Aeroporto de Lisboa, Paula Valente; Hospital de Cascais, cirurgião Carlos Martins; Centro de Saúde de Cascais, Cristina Silva, Eva Martins, Filipa Nogueira, Maria Jesus (atendentes), Fernanda, Luiza e Ana Bela (enfermeiras), Ana Maria (vacina), Manuel (segurança); Departamento de Finanças, Carlos Pires e Clara Marcos Baptista; Autoridade Maritima de Setubal, Natália.