A indústria automobilística e do transporte como um todo está para a indústria do petróleo como a indústria civil está para as milhares de indústrias de que é fomentadora e é possível uma interminável ramificação semelhante em outros segmentos. Não houvesse automóveis no mundo, navios, caminhões e aviões, não haveria tanta excitação (e guerras) pela produção de petróleo. Da mesma forma, se continuássemos a viver em cavernas, não precisaríamos de cimento e um milhão de outros itens para colocar um teto acima de nossas cabeças. Mas a indústria do café não precisa estar para o indústria de máquinas e laticínios da mesma forma. Café é café, vaca é vaca e máquina é máquina.
Enquanto no complicado Road Map da cadeia cafeeira, torra-se o grão na torra adequada sem saber-se exatamente o que o mercado realmente gosta, ainda briga-se porque o aumento de consumo em cápsula e café solúvel pode estar tirando das pequenas xícaras o melhor café que se pode plantar, e beber. A cadeia genuína do café – que planta beneficia e o distribui – seja em cápsula, moído em saquinhos de 250 gramas ou solúvel envasado em vidros e latinhas – desde a última década passou a sofrer ingerências & influências de alguns segmentos fortes de insumos, máquinas e equipamentos e inclusive de segmentos apenas avizinhados, como o de laticínios, achocolatados e outros.
Quando são influências, podem beneficiar o café, por exemplo no aumento da produtividade, e redução de custos sem prejudicar a melhoria da qualidade. Quando são ingerências, são disruptivas no sentido negativo, como por exemplo a falsa noção de que um fornecedor de café distribuirá também desde equipamentos, acessórios e outros produtos de consumo para um mesmo público alvo.
Há fornecedores de café que, na verdade, fornecem quase tudo o que uma cafeteria precisa para funcionar, do avental do barista à xícara, a água, ao refrigerante, o leite, os sucos e muitos outros itens, como os equipamentos necessários e inclusive mobiliário interior e na calçada. Quando este mesmo fornecedor bate à porta de uma rede de supermercado, esta ingerência provoca um impacto significante na cadeia do café. Como se sabe, o ramo de negócio de supermercado não é um ramo especializado em vender produtos, e sim compra-los. Quer preço e entrega azeitadas, baixo custo e on time. Quer inclusive que o fornecedor disponibilize seus próprios funcionários (promotores) para abastecer-lhe as gôndolas. Toda a inteligência comercial desenvolvida na empresa “supermercado” é voltada para a eficiência da compra, e só depois, com menor esforço, na venda, que começa pela localização, um belo estacionamento, área de alimentação e até lazer e diversão.
A indústria do café deve voltar-se para este viés, o da inteligência de mercado. Tem estofo cultural, tem história e conhecimento técnico e científico acumulados de sobra para ser a cultura de marketing mais genial entre as demais, aliás o cafezinho é bom para ativar o cérebro, dizem...
Um parêntesis rápido, como sinônimo desta falta de inteligência, é a inclinação da indústria cafeeira no Brasil se deixar influenciar por iniciativas “de bandeira branca” como o Fairtrade (originado de uma instituição Holandesa, a Solidariedad, de mãos dadas com instituições de investimento, Grameen Foundation e Incofin, sob o manto da inclusão tecnológica de mercados emergentes, e financiada entre outras por empresas tais como a Cargil, Johnson & Johnson, Raízen Energia e várias outras, nenhuma diretamente da cadeia cafeeira). As imagens que estas instituições e seus programas oferecem ao grande público são de belas fotos de qualidade, filtradas com o romantismo de um vencedor de fotografia jornalística, de trabalhadores mexicanos do campo, africanos e, acredite, brasileiros). Um executivo de topo dessas instituições (sem fins lucrativos) ganha de salários e pensões anuais mais do que um produtor médio de café do Sul de Minas de Gerais, há casos e este observador levantou, de ganhos de 145 mil euros anuais. Este valor não fica no bolso daquele produtor no final da colheita para viver o próximo ano; se ficar, terá gastado quase tudo na melhoria do seu negócio no ano seguinte.
Seguindo a mesma linha de metáforas, esta inteligência de mercado de nada adiantará se a galinha dos ovos de ouro não for preservada. Neste caso, a galinha é o plantador e seus colaboradores (trabalhador da plantação e da colheita) que devem ser tratados como uma preciosidade, com todo o apoio possível, disponível, lucratividade e remuneração compatíveis com o seu grau de esforço e capacidade. Os ovos de ouro são os grãos, de toda sorte, seja Arábica ou Robusta e as mais variadas espécies de Café. Após o que, a inteligência do café deve cercar-se literalmente contra a broca não no pé, mas aérea, aquela que vem de outros segmentos e nunca deixar de habitar o lado certo do balcão dos vendilhões do templo.
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