top of page
Luís Peazê

Economia Circular e a Responsabilidade Solidária


“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” além de ser uma frase esquecida é, atualmente, uma antítese subjacente do futuro que nos espera a cada dia que acordamos e lançamos os olhos para o mobile device mais próximo com a pergunta pairando no ar: - Há algo de novo no mundo, criado por algum adolescente inculto?

Sempre há, e levantamos para pegarmos o mesmo trem de todos os dias, apenas mais defasados do que no dia anterior. Podemos afirmar que hoje se envelhece mais devagar, enquanto se nos defasamos mais rápido do que envelhecíamos no passado. No meu modo de explicar os sexos dos anjos, pretendo situar a Economia Circular a partir daquela frase de Lavoisier, e talvez fazer crer a alguns incautos que ela, a Economia Circular, não vai dar em nada.

Vejamos: Lavoisier teve a cabeça decepada porque, condenado por estar incluído entre os traidores da Revolução, comprara ações do governo que subiam de valor à medida que o povo pagava mais impostos. E, apesar de sua morte contrariar o apelo internacional de intelectuais da época, foi para a guilhotina pelo argumento de que a França abominava traidores e não precisava de cientistas. Mas ficou o seu legado, com marca registrada francesa, das descobertas do oxigênio e da água como molécula de duas substâncias. As ondas evolutivas ainda eram meio lentas. A teoria da evolução pela seleção da espécie foi perdendo terreno. Surgiu a expressão Destruição Criativa, em um novo contexto econômico, que mais tarde (atualmente) renasceu com outra roupa, o “pensamento fora da caixa ” com o rótulo Inovação Disruptiva. Durante esse tempo todo, o mundo tornou-se um grande aterro de descartes de coisas chamadas inapropriadamente de lixo. A medida que esse “lixo” vai crescendo, vão escasseando as fontes de energia – combustível para que as economias continuem crescendo. A relação quanto mais lixo menos energia disponível (ou mais energia necessária) parece justificar o desequilíbrio econômico no mundo, mas pouca gente acredita, ou mesmo enxerga dessa maneira. E é aqui que amarramos o nosso bode: crescimento da economia pela aceitação do coquetel produção de riqueza – geração de trabalho e renda – melhoria da qualidade de vida.

A Destruição Criativa sugerida por um economista teórico nascido quando o mundo enlouquecia com o Manifesto Comunista e o Capital, parece ter sido diluída pela falta de objetividade dos “gerentes” dos grandes conglomerados, gerentes promovidos a VP, seja feita a correção, e, da mesma forma as relações do trabalho com o valor em poder aquisitivo nunca ficou equilibrada. Um punhado de tomadores de decisão escolheu o componente moeda e a invenção de papéis com valor de sociedade percentual simultaneamente à criação de um mercado dos objetos desses conceitos, que por sua vez desgoverna o mundo à velocidade da luz. Literalmente. Me refiro às bolsas de valores e mercadorias. Houve uma ruptura acelerada entre atores do topo das sociedades e, se aquele punhado de tomadores de decisão era ao mesmo tempo formado por mocinhos e vilões, numa época tão remota quanto romântica, passaram a pertencer oficialmente a grupos distintos; ou são homens do Estado, ou são homens da iniciativa privada. Na prática não há essa distinção, mas a prática deles é bem definida em cada ambiente.

Enquanto isso o homem comum, ao invés de criar uma forma de melhorar a inserção da natureza humana no mundo, apenas transformou-se num mutante em potencial. Nem mesmo aprendeu a adaptar-se. Transforma-se em gêneros variados e multifacetados. A lei natural da proliferação da espécie vinha sendo, até então, a fecundação da fêmea por um gameta masculino no formato acicular que perfura o óvulo feminino fundindo-se na mais fantástica simbiose imaginável não raramente ocorrendo num turbilhão de êxtase e prazer, com sorte amor, um conceito tão sutil e poderoso quanto sublime e volátil. Por falar nisso, é preciso escrever aqui que há Leis escritas para tudo, em tese para defender os homens de boa vontade, mas se as Leis servissem para algo justo, bastariam das Escrituras sagradas os Dez Mandamentos. Vamos em frente.

Diante desse cenário paradoxal, o conceito de Economia Circular soa como ingênuo e acanhado, mas eu defendo que é, no mínimo, a mais saudável das alternativas humanas e exequíveis pelo menos em algum grau, em algum setor, em alguma região desse planeta fadado à extinção dentro de alguns milhares de anos.

Até prova em contrário, de fato, na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Os sistemas vivos existem há bilhões de anos. E vão continuar vivendo por mais tempo. No mundo natural não existem aterros sanitários. Nele os materiais circulam, os restos de uma espécie são alimento para outras e a energia vem do sol, que aquece o ar, que move as nuvens, que geram as chuvas, que vão para o mar, que evapora. Os materiais circulam. A própria cadeia alimentar obedece esse padrão, animal e vegetal. Tudo nasce, cresce e morre e retorna à vida de alguma forma. Os nutrientes retornam ao solo e isso tudo funciona com perfeição. Mas nós, humanos, adotamos uma abordagem linear. Extraímos, produzimos e jogamos fora. Um novo telefone é lançado, então nos livramos do antigo; nossa máquina de lavar quebra, compramos outra. Cada vez que fazemos isso, estamos consumindo recursos finitos e invariavelmente produzindo resíduos tóxicos. Um sistema nada inteligente porque simplesmente não funciona no longo prazo.

Responsabilidade Solidária

Outro viés da Economia Circular passa pela noção de propriedade. Esta noção nos remete aos primórdios dos tempos, a partir de quando o homem deixou de ser nômade e adotou o modelo sedentário. Cidade à vista. A explicação curta é que precisava comer, saía para caçar e procurar alimentos. Passou a plantar e criar animais em cativeiros. Foi muito mais complexo do que isso, assim como diferente em várias partes do mundo. “Havia” as diferenças de clima, “havia” as relações de poder, liderança, e assincronia de desenvolvimento. “Havia” também os 50 tons de cinza entre a maldade e o bem. Havia. Hoje o homem é mais ameno, permita-me o sarcasmo, está disposto a adotar o modelo de propriedade do usufruto. A utopia do Estado de Usufruto onde os impostos seriam pequenas contribuições para manter uma máquina pública extremamente reduzida, e a herança termina na geração subsequente ao adquirente de um bem, após isso o bem herdado, usufruído (tangível, intangível, mobiliário e imobiliário) fica disponível no terreno estatal para redistribuição através de aquisições facilitadas. As empresas não poderiam possuir bens imóveis, deveriam produzir serviços e produtos. Os empreendedores do agronegócio usufruiriam da terra, apenas, sem a possuí-la. Produziu, utilizou-a, não produziu, cedeu-lha a outros. Num dado momento, a partir da implantação deste novo sistema, não haveria mais indivíduos sem teto, nem latifundiários, nem proprietários de aquíferos e jazidas de petróleo e ouro, por exemplo. A Rainha da Inglaterra não estaria sentada numa montanha de ouro.

Há uma boa notícia, embora não esteja em letras garrafais nas primeiras páginas. Existe um mercado latente da Economia Circular, desde os centros de reciclagem às campanhas (demagógicas ou não) de mass branding ambientalmente políticas, existe literatura acadêmica e investigação científica, existe enfim ilhas de mentalidade ambientalista que vem a ser a razão da Economia Circular. O que fazer para alargar seu alcance e tornar-se uma massa crítica? A resposta pode começar pelo conceito de Responsabilidade Solidária.

Tomemos o mar, como exemplo, onde as delimitações e sinalizações (náuticas, marítimas) são quase subjetivas, assim como o uso, o manejo e o usufruto de apenas profissionais do ramo e um número relativamente pequeno de usuários e usufrutuários conhecem. Onde os espaços portuários abrigam nada mais do que o negócio de porto mesmo, sem lugar para o indivíduo comum ir e vir. O arcabouço jurídico do Direito do Mar é uma amostra deste círculo fechado onde se pratica a noção de responsabilidade solidária, a própria noção aquiliana tem aquela outra intrínseca.

Boa ideia ou não, para a implantação da Economia Circular todavia a noção de responsabilidade solidária, no mar, demandaria um alcance mais amplo do que na acepção jurídica; haveríamos que adotar a responsabilidade solidária no sentido humano e ambiental do termo. Mas o mar pode ser de fato o lugar mais ideal para o exercício primário do conceito de Economia do Mar. Aliás, o mar deveria ser a primeira ligação para tudo, está entre nós o tempo todo. Por sinal, leia aqui sobre como vai o mercado imobiliário no fundo do mar.

bottom of page