Esse aparentemente estranho mercado nasceu em meados do século 19, quando americanos e ingleses exploravam o alcance do recente criado telégrafo e o alemão Hertz descobria que as correntes eletromagnéticas trafegando pela ionosfera poderiam transportar a voz, mais tarde uma fotografia de álbum de família e uma fatura de transação comercial. O homem queria andar rápido e chegar mais longe, pela terra, pela água, pelo ar. Já corria, começou a voar, começou a cavar.
Imagem: https://www.submarinecablemap.com/ Todos os cabos submarinos do mundo para transmissão de dados
Mas, como tudo que nasceu naquele século, demorou duzentos anos para a explosão fractal de tudo o que acontece entre o céu e a terra nos dias de hoje, onde tudo é tão possível e simples de aceitar quanto complexo para se entender. E a maioria de nós simplesmente aceita e segue fritando croquete. Mas afinal, que troço é esse de vender terrenos no fundo do mar?
Nos meados dos anos 1800 os primeiros cabos submarinos começaram a ser esticados entre os continentes. Hoje existem um emaranhado desses cabos no fundo mar que poderiam fazer da terra uma pinha de retinida. Para os leigos em marinharia tradicional, é um tipo de nó na extremidade de uma corda que a torna capaz de ser atirada do convés de uma embarcação para alguém no cais amarrar a embarcação, ou mesmo para um náufrago se debatendo na água. Em inglês é o famoso “monkey fist”. São perto de 400 cabos submarinos ligando a América do Sul à América do Norte, os Estados Unidos e Canadá à Europa, a África à Índia à Australásia às pequenas ilhas do Pacífico e a banda oeste da América Latina e Central. Os cabos submarinos são responsáveis por 99% das comunicações transoceânicas feitas no mundo. Dados da economia do mar mostram transações financeiras por cabos submarinos na ordem de 8,5 trilhões de euros diários.
E são esses cabos, não iluda-se com a idéia dos satélites, que oportunizam a velocidade de transferência de dados, voz e imagens em movimento (filmes) tão mais rápida ao redor do planeta do que ler esta frase. Em milissegundos, em yoctosegundos, nem tente imaginar esta medida de tempo. No primeiro teste entre a Irlanda e os Estados Unidos, a mensagem “Glória a Deus nas Alturas, e Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade” demorou 17 horas para sair com um sotaque e chegar com outro na língua de Shakespeare por baixo d´água.
Busca por velocidade e capacidade de armazenamento de dados, tornou-se uma febre. Pois, levou mais de cem anos para a capacidade de memória dos computadores evoluírem de alguns Bytes para Megabytes, se você conseguir imaginar estas ordens de grandeza. Este articulista programou em máquinas com apenas 8 kilobytes de memória. Daí, em alguns anos, aquilo evoluiu para Gigabytes, e antes de nos acostumarmos com a novidade surgiu em sequência uma profusão de capacidades avançadas desde o Terabytes aos Petabytes, Exabytes, Zettabytes, Yottabytes e Brontobytes. Multiplique a primeira capacidade, um Bit (binário, que armazena uma informação igual a “zero” e “um”, “on” e “off”) por 1024, você tem um Byte, daí em diante continue multiplicando por 1024 para tentar ver a evolução. Esqueça, não vai adiantar nada entender muito. Pois ainda temos a memória virtual, ou nas nuvens, ou emprestadas e, acredite, em breve armazenadas no fundo do mar, foco deste modesto artigo.
Sexo e Energia
As primeiras conexões discadas de Internet faziam um barulhinho enervante antes de se saber se a coisa iria concluir, se conseguiríamos navegar; hoje, graças aos cabos submarinos, com o diâmetro de uma perna humana, que transportam informação muito, mas muito mesmo mais rápido do que os satélites, basta tocarmos com o dedo na tela de um celular e assistir um filme e, com a sua licença caro leitor, lembro de gente que até pensa fazer sexo com uma conexão desse tipo. Eu publiquei um artigo em jornal (impresso) na década de 1980 que destacava impressionante capacidade de memória de um chip, do tamanho de uma unha do polegar, armazenar 16 milhões de informações. Esse mesmo “polegar” hoje pode comandar (guardar informações de comando) uma nave não tripulada até Marte, aquelas 16 milhões informações já cabem na cabeça de um alfinete microscópico.
Enquanto programamos online na palma da mão as nossas próximas férias alugando a cama e a cozinha de algum desconhecido em outro país, a caldeira da economia trabalha exaustivamente para produzir riquezas, é verdade má distribuída por cabeças no mundo, mas este é outro assunto. O Japão, por exemplo, já plotou o fundo do mar a mil milhas de distância de seu território, e a 8 km de profundidade, e explora minas de zinco, ouro e toda a sorte de metais. O Brasil, que não é nenhuma potência em absolutamente nada, no ano passado anunciou a construção de mais um cabo submarino, serão nove na sequência somados aos sete já existentes. Se conectará diretamente com a Europa através de 9.400 quilômetros de extensão, o EllaLink previsto para inauguração 2019. Uma estrutura financiada pela Telebras e a empresa espanhola Isla Link — pequeno negócio de US$ 210 milhões. Este cabo submarino sai de Santos (SP) através do Atlântico, com “nós” estratégicos em Cabo Verde, nas Canárias e Madeira, chega em Sines, no sul de Portugal, perto de Sagres, mito ou não, porto de origem das armadas dos descobrimentos portugueses, incluindo o Brasil.
Como se sabe, mais da metade da população da terra vive nos litorais, numa faixa de 60 km do mar e por isso o metro quadrado nessas áreas é o mais caro. Em dado momento, as empresas começaram a instalar seus parques industriais a 100 km ou 200 km longe da primeira gota d´água salgada, procurando terra mais barata e confiando na malha de modais de logística para escoar sua produção. Este exercício de custo-benefício e satisfação de necessidades, desejos e demandas, provoca uma reação natural que só a metafísica explicaria, mas para ir direto ao ponto, gera e gasta energia. De massa cinzenta e força motora. A primeira é raramente utilizada pelo homo sapiens, a última é a demanda mais crítica que nós todos enfrentamos desde a revolução industrial, lá naqueles anos de 1800s. Atualmente está insustentável, tanto a procura por energias de fontes renováveis em escala, quanto o equilíbrio de forças entre aqueles que possuem jazidas de fontes de combustíveis fósseis e os que demandam esse tipo de mercadoria. Essa procura provoca guerras e mata os sonhos de muita gente, mata gente até.
Procurando solucionar o problema de consumo e custo de energia e avaliando que um acre no fundo do mar, no litoral dos Estados Unidos, custa apenas US$3,00 (cinquenta vezes menos do que uma área agrícola) a Microsoft lançou o projeto Natick. Em síntese, trata-se de uma estrutura móvel submarina equivalente a um contêiner de 40 pés que utiliza o mar como refrigerador de Data Center. O datacenter é a tecnologia que permite vários serviços que usamos todos os dias na internet, como streaming de filmes e músicas (Netflix, YouTube, Spotify), e games online (Xbox Live, PlayStation Network, etc.), entre tantos outros.
Você já se perguntou quanta energia é consumida para armazenar uma foto pessoal na nuvem? Multiplique pelo número de usuários mundialmente. Em 2014, os Data Centers consumiram em torno de 70 bilhões de kilowatt/hora (kWh), ou o equivalente a seis vezes o consumo anual de energia de uma cidade como a capital dos Estados Unidos. O Google declarou recentemente que em torno de 40% do custo de energia de sua operação é devido à refrigeração de seus Data Centers.
O projeto Natick da Microsoft ainda está em fase de testes, assim como milhares de outros projetos para captura de energia no mar, e inúmeras outras aplicações, neste espaço azul ainda desértico de vida humana, estão em franco desenvolvimento. Portanto, com as baleias salvas ou não, o mercado imobiliário no fundo do mar já começou a aquecer.